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sexta-feira, 15 de março de 2013

Entrevista inédita concedida pelo jornalista
Gléber Pieniz ao meu humilde blog ...
 
 
Foto: Jéssica Michels


O que você acha do uso das redes sociais para levantar questões importantes sobre a
cena cultural joinvilense, bem como a participação de figuras que atuam no meio nessas
discussões online?


As redes sociais são apenas uma ferramenta, um canal para tudo, terra de todos e de
ninguém, de onde até se levantam essas questões a que você se refere mas que, em Joinville,
saem voando e ficam sem respostas, não geram debate ou uma discussão mais franca. Nas redes
faz-se tudo, de todas as formas: ali há diários, cartas, confissões, as tais “questões importantes”
que você sugeriu, resenhas, protestos, opiniões, as questões banais (que eu também considero
importantes), chiste, troça, corneta, serviço, há a descoberta dos iniciantes e os usos automáticos
dos viciados, um universo de usos da linguagem entre o literal e o literário, meias verdades,
mentiras completas, posturas de todo o tipo e pudor, coisas frescas e originais, mas também a
cópia (a réplica, a reprodução, seja lá como queiram chamar) em todas as suas encarnações. E
infelizmente o impacto nas redes sociais se dá pela quantidade, jamais pela qualidade daquilo
que é postado. É muito difícil, assim, que as eventuais discussões surgidas nesse meio rolem
sempre no mesmo tom, que haja algum tipo de equilíbrio ou o necessário contraponto entre
perguntas e respostas, opiniões e divergências. Há diferentes formas de participar dessas
discussões virtuais e gradativamente mais pessoas passam a desdobrá-las em outras tantas,
distanciando-se dos temas e focos iniciais segundo seus interesses e capacidades. Por isso eu não
vejo as redes sociais como fórum, ainda – especialmente em Joinville, onde questões bem postas
(aquelas com um ponto de interrogação no final) raramente são feitas e nunca são respondidas.
A discussão sobre a cultura local nunca se desenvolveu com seriedade ou equilíbrio nas
mídias que tradicionalmente lhe devem espaço como jornais, rádios e revistas e não seria nas
redes sociais (tão novas, tão dispersivas e fragmentárias), agora, que ela apareceria amadurecida
de uma hora para a outra. Eu, pelo menos, não tenho essa esperança.


Você como jornalista e interessado na cena artística/cultural e circulando por vários
meios de difusão das artes qual em sua análise é o segmento que mais cresceu na produção
joinvilense?


Vamos por partes: sou um jornalista interessado, sim, mas não tenho publicado na mídia,
nem circulo por vários meios de difusão das artes. Tenho, no entanto, colegas que circulam e
se desdobram simultaneamente em jornal, revista, rádio, TV e internet, embora nunca sejam
interpelados por questões como essas que você me propõe. Sugiro que sejam feitas essas mesmas
perguntas a eles em busca de respostas mais legítimas.
Está claro para mim que o segmento artístico que mais se desenvolveu em
Joinville nos últimos anos foi o das artes cênicas e há um monte de razões objetivas para apostar
nisso, fatores técnicos bem pontuais que não encontram comparação com outros setores. Tome,
por exemplo, o grau de profissionalização e de organização dos trabalhadores da área, a
publicação consistente e variada (livros de teoria do teatro, de dramaturgia, de retrospectiva,
além de bons programas de espetáculos), o surgimento de espaços de apresentação e ensaio,
grupos novos se formando, pesquisando, (re)criando-se a partir de grupos já existentes (que, por
sua vez, combinam-se entre si para outras criações), uma certa noção de “gerações” que começa
a se definir entre os estreantes e os veteranos, o número crescente de projetos maduros, bem
produzidos e bem sucedidos de espetáculos e festivais, a abrangência da circulação das
produções joinvilenses, a preocupação da categoria em discutir-se, em avaliar-se, em sustentar
uma associação representativa e atuante (seja em nome dos seus associados, seja em nome de
toda a classe artística), a presença estadual – quiçá nacional – de grupos, atores e pesquisadores,
o pessoal preocupado em estudar, em se especializar, em pesquisar (dentro ou fora da academia),
compartilhando estágios ou resultados dessa pesquisa com o público, a regularidade de
apresentações e a manutenção de temporadas de espetáculos, o impacto econômico do teatro nas
redes de economia criativa (design, fotografia, confecção de roupas e adereços, gráfica,
assessoria, som, luz, transporte, alimentação) e o impacto político na participação e na
organização da área cultural na cidade... Eu não arriscaria fazer nenhuma avaliação do
crescimento ou do amadurecimento das outras artes em Joinville (o cinema, principalmente) sem
esbarrar numa ou noutra dessas razões ou situações que se criaram a partir do teatro e
influenciam a produção em outras áreas: seja como artistas, seja como agentes de cultura, os
teatreiros estão muito à frente de qualquer outro setor na cena local.


Em sua forma de análise qual será a mais significativa mudança da gestão atual da
Fundação Cultural em relação à anterior?


Foto: Maria Elisa Máximo
Ainda é muito cedo para fazer uma análise da gestão ou para projetar o que virá.
A orientação política, a competência técnica e teórica das novas equipes ainda são um mistério
para mim: eu não conheço muitas das pessoas que assumiram a FCJ e também não creio que
apresentá-las à classe artística da cidade seja uma preocupação do novo governo. O que eu vejo,
por outro lado, são iniciativas superficiais que me sugerem algumas hipóteses: uma gestão que
prioriza esforços e investimentos para inaugurar um museu da bicicleta quando alega não ter
recursos para restaurar ou proteger o Museu Fritz Alt de ladrões, nem para publicar o Plano
Municipal de Cultura não me parece muito sensata ao definir prioridades. Um governo que se
preocupa antes em instituir medalhas ou distinções pessoais e não destaca alguém da área da
cultura para presidir a Fundação Cultural não me inspira muita confiança no que diz respeito à
atribuição de cargos e suas respectivas responsabilidades. A programação da Rádio Joinville
Cultural FM já não era boa, mas há dois meses e meio sob nova gestão simplesmente
desapareceu, se apequenou e retrocedeu no tempo. Espero sinceramente que eu esteja errado
nessas suposições, mas por enquanto não tenho motivos para pensar de outra forma.


Sei que você assim como eu é um grande fã de cinema. Então como você encara a produção
local? Vejo uma vontade enorme em alguns produtores daqui em realizar seus filmes a
todo custo mas enxergo também que há uma necessidade de capacitação técnica em muitas
áreas da produção de um filme. Iluminação, roteiro, efeitos especiais, maquiagem, etc. O
que pensa sobre isso?


Foto: Jéssica Michels
Eu não tenho acompanhado atentamente a produção local, mas percebo facilmente o quanto ela cresceu em número e qualidade. O fato de que fazer cinema não se resume a gravar e a exibir cenas começa a desafiar os produtores da cidade.  O pouco que eu tenho visto ainda me parece marcado pela histórica falta de cinema em Joinville, seqüela não só técnica ou artística, mas sobretudo estética e comportamental como resultado de tantos e tantos anos assistindo a blockbusters em salas apenas razoáveis, restrito a um sistema de exibição determinado apenas pelo interesse do comércio ou proporcional às telas das nossas casas (exceto por um ou outro bom momento de projetos como o Salve o Cinema, os Ciclos ou o Clube de Cinema). Não nos habituamos a viver o cinema, a discutir, repercutir ou mesmo pensá-lo juntos
para além da ideia de lazer e de entretenimento. Essa cultura cinematográfica mais complexa envolvendo quem faz, quem assiste e quem estuda cinema é ainda incipiente em Joinville e, se
houve traços dela no passado, eles são idênticos aos de hoje: produções isoladas de excepcionais abnegados, uns e outros
diletantes que ao longo da história decidiram fazer cinema com aquilo que tinham e com aquilo que sabiam, outros ainda menos numerosos estudando e refletindo sobre essa arte. Da mesma forma como a Izani Mustafá pergunta a respeito do radiojornalismo local, eu também me pergunto se é possível estabelecer parâmetros de análise da produção cinematográfica recente numa cidade em que tradicionalmente não se produzia cinema. É claro que o acesso à tecnologia da imagem facilitou a produção e permitiu que ela aumentasse em número, mas também evidenciou as fragilidades nas áreas que você cita: à medida que captar as imagens deixou de ser problema e sua qualidade visual deixou de ser preocupação, fica evidente a desproporção de qualidade com relação ao roteiro, ao som, à montagem e à própria concepção de cinema como cosa mentale, uma arte que resulta da colaboração e da familiaridade com
outras formas de arte.
 
A Cultura e a arte como mercado. Você coloca Joinville num nível satisfatório neste
mercado se comparado com outras cidades por onde já viveu?

Pergunta difícil de responder. O mercado da cultura é vasto e, mesmo em
Joinville, complexo: vai do rollmops a Cinemaiêutica, das promoções de DVDs nas Lojas
Americanas às ações educativas do MAJ, passa pelos juízos sobre a remuneração do artista, pela
ideia que se faz da MPB, do valor de Juarez Machado e de outras expressões do patrimônio
imaterial, pela programação de cinema, pelas temporadas de teatro, pela variedade das revistarias
e chega ao Festival de Dança, ao turismo empresarial e à dependência patológica dos mocassins.
Há setores profissionalizados da arte e da cultura em Joinville, empresas bem sucedidas na área,
segmentos com grande atenção institucional, mas também há o seu inverso precário. Quem tem
dinheiro (e há muitos que o têm em abundância) e quer se lambuzar com aquilo de melhor ou de
mais destacado que o mercado oferece pode adquirir o que quiser, quando quiser, quantas vezes
quiser sem o “fator Joinville” como empecilho. Para quem tem dinheiro o mercado vai até onde
o capital alcança. Eu não vivo nessa Joinville abastada e próspera, mas na Joinville da carteira de
estudante, do livro do sebo, das liquidações das lojas, dos eventos dos amigos – ou seja, daquela
figura mediana que vive a arte produzida por aqui mesmo, sobrevivendo invariavelmente de
ingressos gratuitos e selecionando com base no orçamento doméstico aquilo que se pode dar ao
luxo de experimentar fugindo para capitais mais distantes. Meu capital não vai longe, logo, o
mercado de que disponho também não vai. Na média entre as coisas boas e ruins que estão ao
meu alcance e comparando com outras cidades em que eu já vivi, diria que esse mercado é, sim,
satisfatório. Só não tenho certeza se isso é bom.
 
 
O que pensa sobre o jornalismo cultural da região?

O jornalismo cultural da região só faz divulgação, reduz-se à função de anunciar.
O pouco que havia de reportagem se perdeu, a pauta e o conteúdo se tornaram escravos dos
desejos mais obscenos das assessorias de imprensa, a resenha deu lugar à dica e a dica deu lugar
à simples promoção do produto – como se o público dependesse de orientação para consumir o
que consome. Falo isso apenas sobre o jornalismo impresso, porque na TV e no rádio da região a
coisa é ainda pior: essas mídias estão coalhadas de amadores que restringem o jornalismo
cultural à agenda, quando muito à entrevista laudatória conduzida por entrevistadores que não
têm vergonha de ignorar o currículo e as informações mais básicas de seus entrevistados. Em
todas essas mídias, a transcrição desavergonhada do release e a notícia construída
exclusivamente pelas perspectivas concordantes são rotina. O conteúdo que informa, interpreta e
age socialmente é produto em extinção, vitimado pela falta de tempo, de espaço e de recursos. O
contraponto não existe, a versão divergente virou detalhe descontextualizado para publicar
amanhã e, quando a dissensão de opiniões aflora, é tratada como “polêmica”. Tal jornalismo
cultural ignora que, subjacente e paralelamente à superfície do espetáculo, existem a pesquisa, a
reflexão, os conflitos, os problemas, as expectativas e as ideologias. Esse cenário monocromático
é resultado da combinação de dois fatores que nenhum veículo regional faz mais questão de
esconder: a orientação editorial (leia-se comercial) das empresas e a precarização das condições
de trabalho (leia-se funcionários ineptos e não especializados, redações sobrecarregadas e mal
remuneradas). Não há outra explicação para um jornalismo que se apresenta como cultural e
deixa de publicar um simples roteiro diário confiável de exposições, de espetáculos, de palestras,
cursos, oficinas e outras atividades gratuitas (a exemplo do que faz com o cinema, que é pago e é
anunciante) para dar espaço à programação da TV, aos resumos das novelas e ao horóscopo. É
um jornalismo que se ajoelha, se põe de quatro e veicula qualquer coisa à cata de um público
cada vez mais escasso e cada vez mais parecido com aquilo que vê publicado.

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